Prêmio Nobel para um índio que protege a Amazônia
Não só os indígenas estão caindo em desgraça, nós também
Raoni é um cacique caiapó. Um brasileiro autêntico. Brasileiro é o único gentílico de nome que se assemelha a uma profissão: aquele que carrega o pau-brasil às costas. Hoje, não há mais pau-brasil. Amanhã, pode não haver mais Amazônia.
Uma proposta está sendo avivada, com apoio da Fundação Darcy Ribeiro, para que o Brasil, finalmente, consiga um Nobel. O Nobel da Paz para Raoni, 89 anos, que fez da luta pela Amazônia a razão de ser de sua vida (os saberes da cultura indígena são tão dignos de premiação quanto quaisquer outros!). Em tempos em que o poder público, encarregado de pacificar, busca, ao contrário, a contenda enfurecida, nada mais pertinente.
Venho de uma geração, na década de 1950, em que na escola primária se ensinava que os animais eram divididos em “úteis e nocivos”. Eram tempos do presidente JK em que conviviam a celebração das liberdades e a sanha do “progresso a qualquer preço”. Ao derrubar uma árvore gigante no trajeto da rodovia Belém-Brasília, que então se iniciava, escreveu Juscelino: “Ainda não apareceu um Euclides da Cunha para fixar, em páginas que seriam imortais, a epopeia dessa luta contra a floresta (...) Quando um cedro ou uma maçaranduba gigante parecia irremovível, encaixavam-se bananas de dinamite em fendas, abertas nas raízes, e estrondava-se o tronco. A queda de um desses reis da floresta era um espetáculo inesquecível.”
Pouco mudou. Aliás, muito pouco mudou desde a chegada dos primeiros predadores, em 1500, que dizimaram milhões pela escravidão ou pelas doenças com que os infestaram. Somos um povo feito de gente desfeita, dizia Darcy. Continuamos sendo: à ocupação de terras indígenas com garimpos ilegais, segue-se o desmatamento desenfreado. Isso significa que não apenas os indígenas estão caindo em desgraça, mas nós também — urbanoides leitores de jornais... E por quê?
Os rios voadores resultantes da evapotranspiração de bilhões de árvores da Amazônia é que permitem que a Região Sudeste deste país sobreviva em umidade e chuva. Sem a Amazônia, estaremos liquidados.
Leonel Kaz [texto publicado no O Globo 24 Aug 2019]